Até uma gota d'água consegue se diferenciar das outras em meio a uma imensidão sem fim de gotas iguais...Mas por que nós, seres humanos, instituídos por uma razão e uma pretensa capacidade de pensar, insistimos tanto em sermos iguais uns aos outros?

Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...

Viva a diferença, não ao estereótipo!



"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Versos a Nietzsche



Foste tu quem inauguraste o sujeito
Por seres póstumo, foste dele o precursor
Soberbo, não esperaste pelo Ser perfeito
Friedrich Nietzsche, tu superaste o Criador.

Em versos, sensocomunianamente falando,
Foste no planeta Terra o errante teólogo.
O inventor que, constantemente se reinventando,
Em vida, superaste o próprio título de filólogo.

Foste o filho bastardo de Dionísio
– o Baco da Roma Antiga! –
Um espírito livre, apesar de sofredor

Padeceste tal como um moderno Narciso
– que tem a própria imagem como inimiga! –
tiveste a vida castigada por um não-amor.


21.out.2010

Os não-ditos


O que é bom na vida reside no não-verbal,
no ainda não-verbalizado,
no que, por razões as mais diversas,
ainda configura-se como não-dito.
Verbalizar as coisas é perdê-las!

Pra que dizer ou pensar
sobre o que ainda é porvir?
Pra que serve esta violência
conta o não-dito, o não vivido,
o que ainda podemos fazer?

Dizer as coisas é territorializá-las
mascará-las sob a égide do racionalismo.
Em suma, verbalizar o não-verbal
é medo de viver o desconhecido.
O preço: a covardia de pensar que podia tê-lo vivido!

24.out.2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

No chão

O garotinho tinha já seus 13 anos. Estava ele sentindo as primeiras manifestações de uma libido juvenil. Seus banhos demorados já lhe encardiam a cara, dizia-lhe o pai. Estava naquela fase de ficar acordado até tarde, mesmo estudando de manhã, assistindo televisão no intuito de ver mulher pelada.
Calcinha no varal de casa já lhe excitava. Ao menor descuido de uma mulher de saia, estava lá ele com olhos arregalados e atentos. Sua maior alegria era ir à praia. Ali arrecadava material visual para seus banhos demorados. Estas mesmas mulheres de biquíni (em seu querer peladas) povoavam seus sonhos e pensamentos.
Foi por essa época, que seu irmão mais velho casou e colocou sua esposa dentro de casa. Foi então que o garotinho teve de ser transferido de quarto para que seu irmão desposasse em paz. Colocaram-no dentro de um minúsculo catre, ao lado de seu antigo quarto, que outrora funcionara como armazenamento de despojos.
Qual não foi sua alegria ao perceber que à noite ouvia-se estranhos ruídos e gemidos enquanto todos dormiam. Eram os recém-casados. Agora, não ligava mais de ter sido privado da televisão durante a madrugada. Ouvir aquilo dava-lhe muito mais tesão!
Com uma semana já estava todo munido de aparatos para captar melhor os sons advindos do quarto vizinho: um copo de vidro e uma caixa de cotonetes. Também deixou de lado seu diskman. O som agora chegava-lhe muito bem aos ouvidos.
De certa feita em diante, seu irmão pedia sempre à sua esposa para transar no chão. A cunhada do garotinho sempre se negava mas acabava cedendo aos apelos do marido.
A partir daquela noite, o garotinho esperava seu irmão sair pra trabalhar e, antes de ir à aula, entrava em seu antigo quarto e, mesmo com sua cunhada dormindo na cama, começava a cheirar o chão como um louco à procura de vestígios da noite anterior. A mera possibilidade de cheirar sexo dava-lhe um tesão desgraçado.
A mãe começou a estranhar o garotinho, agora, querer tomar banho todo dia antes de ir à aula. Julgava, então, que ele estava apaixonado por alguma coleguinha de sala e queria exibir-se melhor para ela.
Mal sabia a ingênua mãe que sua única nora desposara seus dois filhos: um no plano físico, o outro no plano imaginário.
Mas o garotinho julgava ter muito mais prazer que o irmão que ia, de verdade, às vias de fato.

21.out.2007

Tristeza

Perdi minha felicidade
em um lugar que nem sei
se ainda existe.

O amor arraigou-se de mim
e foi fazer-se sentimento
em um outro coração.

Tristeza é o que me supera.
Tristeza é o que me espera.
Tristeza é o que sinto...

21.jul.2010

Tempo: flores que se vão

Quando o tempo vira pó
e os anos não cabem mais
nas contas simples dos dedos de uma mão
a experiência é a única desculpa que me resta.

Enquanto o ponteiro dos segundos
ultrapassa o dos minutos
meu sangue se transfigura,
meu coração dispara,
meus nervos (me) embrutecem,
minhas sinapses crepusculam
e meu corpo envelhece...

Minhas carnes frias tornam-se úmidas
e, alvo de vilipêndios,
confessam toda sua fraqueza e cansaço.

Simultaneamente, a um só tempo,
desfiguro-me
em calendários, ponteiros e relógios
e reconfiguro-me
em gostos, lembranças e reminiscências...

08.Ago. 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

És tudo que mais quero


Nunca precisei tanto de ti.
Nunca foste tão minha.
Nunca precisaste tanto de mim.
Nunca fui tão teu.

Quando nossas dores se intercalam
nosso amor se multiplica em escala industrial.
Revertemos a dor que é o não-amor
e o transformamos em amor de uma vida.

Nunca nos desejamos de forma tão brutal
Nunca fomos tão parecidos um com o outro:
em dores e sentimentos
nossos corações se igualaram.

Somos nada mais que dois corpos
em incessante e mútua procura do corpo alheio.
Somos nada mais que seres
vivendo em corpos que não nos pertencem:
Cada um de nosso corpo é o corpo do outro.

A dor que outrora nos latejou
é o cimento que reajuntou nossos corpos
sedentos
de vida, de amor, de sinceridade
do outro...

Nunca precisei tanto de ti.
Nunca foste tão minha.
Nunca precisaste tanto de mim.
Nunca fui tão teu.

16.jan.2010

A Lua



Pérfida ilusão dos desalmados,
companheira de devassidões inúteis.
Tens o chão por um dragão cavalgado,
és o lugar de ilusões fúteis.

Oh, satélite único deste planeta
és o mais lindo dos astros:
estrelas, galáxias, cometas
quero beleza quando sigo teus rastros.

De tua imensidão brancodourado
reluz o alento dos amantes:
da lascívia volátil dos apressados
ao amor paciente dos iniciantes.

Companheira das noites solitárias
fazes falta quando não apareces.
Para as epígrafes dos poetas és solidária,
destino último de todas as preces.

Repouso de todos os viajantes,
calvário dos que não a enxergam.
Poço negro, alvo, dourado, rutilante
lágrimas dos olhos que as faces cegam.

21.jan.2010