Até uma gota d'água consegue se diferenciar das outras em meio a uma imensidão sem fim de gotas iguais...Mas por que nós, seres humanos, instituídos por uma razão e uma pretensa capacidade de pensar, insistimos tanto em sermos iguais uns aos outros?

Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...

Viva a diferença, não ao estereótipo!



"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Talvez

Em algum lugar do globo um garotinho de onze anos ouve Nirvana trancado num quarto sombrio. Sua mãe vê-lhe um futuro macabro: imagina-o dali a dois anos com uma ampola na mão à beira de uma overdose de entorpecentes. Em um hospital ali próximo um médico negro consulta o filhinho de um casal de classe média enquanto seus pais torcem o nariz perante a cor do profissional.
No mesmo hospital, no quarto ao lado, um triste palhaço tenta, em vão, alegrar uma garotinha soropositiva. Dali a duas quadras, um marido espanca sua esposa na frente dos filhos por ela ter gasto o dinheiro de um incentivo do governo comprando material escolar para as crianças. Ele queria comprar cachaça! Numa outra cidade, em um outro estado, quiçá em um outro continente, uma linda menina loira, de olhos cuja cor se define pela intensidade da luz do sol, dá pipoca aos gorilas no zoológico, enquanto lá fora uma criança pede esmola para comprar o almoço de ontem.
Perto de um aeroporto famoso em todo o mundo mora uma menina dona de seus 12 anos com corpo ainda de 8. Ela está muito feliz por ter tido sua primeira menstruação (ela fôra a primeira de sua turma). Na mesma casa, um quarto e um corredor depois, sua irmã está desesperada porque a sua ainda não veio...está nua no quarto, em pé, com as mãos cobrindo o rosto, deixando à mostra todo o seu corpo. Pela janelinha do banheiro, também já quase nu, seu padrasto observa tudo.
Dois irmãos brigam pela herança pobre que seu falecido pai lhes deixara. Repetem, agora, quase adultos, as brigas que mantinham quando crianças pelos times de botão ou pelo controle da televisão.
Já bem distante dali (talvez perto de onde esteja eu) um casal, ela de 12, ele de 14, perdem, mutuamente, suas virgindades. Ele pensa no orgulho que o pai lhe terá, ela em como pedirá à mãe para compra-lhe anticoncepcionais. Dois países ao norte, um outro casal perde sua virgindade: eles são irmãos sanguíneos, mas ainda não o sabem...Em um outro local, um filho perde sua virgindade com sua mãe, materializando seu Complexo de Édipo.
Um adolescente entra na farmácia mais próxima para comprar cigarros. A moça o atende muito bem e eles trocam telefone. No próximo país ao sul, um pequeno grupo de estudantes fuma maconha e questiona-se sobre seu presidente (seria ele um fascista de esquerda ou um fascista de direita?). Os mais exaltados tramam planos para derrubá-lo do poder.
No exército de um país em guerra dois soldados homossexuais transam dentro da sala do general. A mulher de um deles chega, enquanto um sargento dá berros sob a chuva na trincheira que armaram para o inimigo. Seus soldados nem lhe dão muita atenção, pois o jogo de futebol na televisão está bem mais interessante.
Dali a alguns graus de latitude abaixo, partindo do centro, uma garota lê Dostoiveski e masturba-se ao pensar no drama humano. Em qualquer lugar, exatamente na hora em que ela atinge o orgasmo, uma criança morre de fome.
Num convento católico de um país de maioria budista, uma freira espia os futuros padres banharem-se nus no rio. Perto dali (e talvez muito mais perto daqui) um padre e um psicólogo trocam confidências...alheias!
Mais ao centro, onde o sol é mais cruel, quatro homens jogam baralho há dois dias sem parar. Todos os quatro já perderam todo o dinheiro que tinham nas apostas do jogo e mesmo assim continuam a jogar. Mas onde está o dinheiro que trouxeram? ‘Algum negro deve ter roubado’, pensam rapidamente para não perderem a concentração no jogo. E continuam a jogar e a perder dinheiro, todos os quatro...
Há dois dias dois jovens estão trancados em um quarto drogando-se. Não sentem sono, não sentem fome. Aliás, não sentem nada, a não ser a vontade de consumir mais droga.
Um casal de namorados brinca de serem marido e mulher na frente do gato de um deles. O felino observa tudo atentamente, talvez presenciando o maior ato humano: a consumação do amor! Ou talvez simplesmente não entendendo nada...
Alguns muitos graus a sudoeste, um casal de 65 anos transa ouvindo Mozart e Bach. Os dois gozam e fumam muito. Eles não veem graça em posições convencionais e continuam a inventar novas. Também continuam fumando e gozando muito.
Mais uma criança morre de fome agora enquanto, em uma grande empresa multinacional,um dos diretores trai sua esposa com o faxineiro.

14.mar.2008

domingo, 14 de junho de 2009

Verônica Decide Morrer

Eu não quero ir pro inferno;
Mas não tenho certeza se quero ir pro céu.
Quero achar um lugar intermediário
nem um mar de rosas nem um sonho léu.
Um fim sem começo
nem tudo contra o contrário.

Um suicídio mal sucedido
uma faca, um tiro
ou mesmo um comprimido.
Quem disse que o fim não chegou?
Você se deu um tiro mas não se matou.

Verônica decide morrer.
Agora quero saber: e você?

Quem inventou o suicídio?
Responda agora ou cale-se pra sempre.
Se não souber, pelo menos tente!
Quem inventou o suicídio?
Quem souber fale em alto e bom tom.
Na falta do que fazer
inventei o suicídio.

Verônica decide morrer.
Agora quero saber: e você?

Um tiro a sós no quarto trancada
a porta arrombada, um corpo no chão.
Você acredita, eu não!
Não acredito no que vejo;
Você não acredita em mim;
Eu não acredito em ninguém, eu acredito sim.

Verônica decide morrer.
Agora quero saber: e você?

To sentindo o cheiro da morte.
A morte pra vir só precisa de uma desculpa
E eu, sem culpa, quero você pra mim.
Sem saber porque lembro de você e sinto saudades...

Seu maior erro na vida lhe levou à morte:
muito azar ou pura sorte?

Mar. 2002

Oedipous

Manhã. Tarde.
Um sol que arde.
Cabeças a mil.

Mil passos sem direção...
Um coração que chora
um ser que implora
em vão...

Chega a noite que esfria o tempo
enquanto minhas lágrimas esquentam meu colchão.

A madrugada chega e traz consigo minha insônia.
Um dia (uma vida) inteiro de sofrimento.
Ver-te feliz ao lado de Outro
só torna maior meu lamento...

Em mim lágrimas e suores se confundem.
Meu pranto é por ti que me geraste
e eu na esperança do incesto
enquanto vossos corpos se co-fundem...
Tu que me escapaste
Tu e Ele numa cama como contexto.

12.Set. 2008