Até uma gota d'água consegue se diferenciar das outras em meio a uma imensidão sem fim de gotas iguais...Mas por que nós, seres humanos, instituídos por uma razão e uma pretensa capacidade de pensar, insistimos tanto em sermos iguais uns aos outros?

Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...

Viva a diferença, não ao estereótipo!



"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

No Quarto ao Lado


Essa é a história de Joana e João. Mãe e filho. Os dois têm um desgosto em comum: a profissão d'Ela. João é o retrato de muitas crianças do mundo todo. Muitos Joões estão por toda parte e preferimos não ver, ou fingir que não os vemos.

Ela joana, Ele João. Ela, quando moça até chegara a ser respeitada em seu periférico bairro. Casara-se cedo e tão cedo dera-se seu desmatrimônio. Ele, era seu filho.
O casamento dela dera-se com um infame bielorrusso que traficava eletrodomésticos no Leste europeu capitalístico. Tal sujeito abandonou a esposa depois de 2 meses, 2 manchas roxas no zigoma direito d’Ela e um filho ainda por vir: João.
Vendo-se sozinha, como companheiro apenas um feto e não mais arrumando emprego de dona-de-casa-dos-outros por causa do bucho, Joana teve de lançar mão de seu corpo para (sobre)viver. Seu primeiro cliente fora um ex-patrão seu. É nítida a inversão de papéis: dantes serva daquele, hoje sua senhora.
Por seu corpo moreno, rígido e formoso e também por suas saliências na cama, conseguiu Ela angariar uma clientela senão vasta, ao menos, na medida do possível, fiel.
Era senhora de patrões, era dona de meninos, era dama de cavalheiros, puta de homens casados, mãe de homens chifrados, era a companhia de noites sem lua, era o prazer de depois do almoço...
Joana, às vezes Ana, às vezes Patrícia. Nunca de um homem só.
Nascera, casara-se e parira uma criança raquítica. Tivera mais trabalho no parto do que para criar o menino. Como era seu dizer: “filho de pobre se cria sozim”. A criança crescera (se é que se pode chamar aquele minúsculo corpo de crescido) em meio ao bairro imundo e fétido e em meio à profissão da mãe (tida pelas beatas do bairro como mais imunda e fétida que o próprio bairro).
O eterno feto crescera em uma casa de um só cômodo que tinha algumas divisões construídas por um barro que, ao que parece, a natureza, vítima de um instinto moralista e cristão, o fizera de qualidade inferior pois que sabia onde ele seria usado (para dar leito à mais antiga das profissões).
As tênues paredes do “barro” criavam dois quartos e uma sala no mesmo espaço que seria, usualmente, uma sala em qualquer casa pobre do bairro.
Tanto pela proximidade geográfica quanto pela espessura da parede o garoto, muitas vezes, ouvia, sentia e gemia a profissão da mãe.
Ele, no bairro conhecido pela literal alcunha de “filho da puta”, odiava a profissão da mãe. Mas odiava ainda mais todos os (muitos) machos que já comeram (e ainda comiam) sua amada mãe, inclusive seu desgraçado genitor, o tal bielorrusso.
João sempre ouvia, sempre se importava, sempre chorava, sempre ruminava e sempre lembrava dos gemidos, dos grunidos e do ranger da cama de varas do “quarto” ao lado.
Mas o pior dia da vida deste magérrimo garoto de 14 anos foi quando um colega de sala veio ter com sua mãe. Sim, além de todos os estigmas de que fora vítima, além de todas as suas privações de ordem biológica e social, ante suas corriqueiras alvitações, suas não merecidas ofensas, ainda teria que entrar em contato com situação tão contrangedora.
Assim que avistou o colega ao longe – já sabia seu intento – João correu pra dentro de sua casa e resguardou-se em seu minúsculo catre. Por um momento, por um grande vão no telhado, João viu uma lua amarelenta e chegou a esquecer a ríspida situação em que se encontrava.
Do seu quase torpor advindo da lua, João foi retirado pelo som da voz cansada, mas suave de sua amada mãe:
- Boas noites, senhozim!
- Pegue, é tudo que tenho, retrucou o outro com mal disfarçada pressa.
- Mas só por R$10,00 num faço não! Posso até fazer por R$15,00 porque vejo que ainda é um menino e ainda nem quebrou o cabaço.
Nesse instante, o colega de João ficou cor-de-sangue e virou as costas como se fosse embora. Porém pôs a mão dentro da cueca e sacou uma meia recheada de moedas e entregou à Joana, mãe de João. Ela abriu um sorriso sem dentes.
- O senhorzim carma aí que só vou tomar uma bainzim.
- Não! Bora logo, tenho pressa! Além do mais num gosto de cheiro de sabão.
A primeira lágrima rolou pela face magra de João, filho de Joana.
Joana, mãe de João, sabia do mal gosto do filho pela sua profissão. Porém, sem ela sabia que não (sobre)viveriam.
Seu corpo literalmente sentira o peso do tempo. Ganhara uma flacidez e alguns quilos, porém aprendera algumas formas de controlar seus gemidos e seus gozos. Fazia isso porque sabia que João a tudo ouvia em seu labor. E esse tudo que ouvia era um nada comparado ao que Ele sentia.
Do outro lado, no minúsculo catre, frágeis mãos cobriam um rosto banhado em lágrimas. João, filho de Joana, rogava para que aquele suplício acabasse.
Alguns poucos centímentros de barro após, Joana, mãe de João, também torcia para que aquele momento terminasse logo.
João ouviu o primeiro gemido seco de Joana e os primeiros rangeres da cama de varas. Era o sinal: começara! Era como se aquilo fosse com ele, como se aquilo também tivesse penetrando em suas magras carnes e em sua alma machista. Sentia um misto de pena e e raiva de sua mãe. Sentia raiva daquele meinino que gemia em cima de sua mãe, sentia raiva da vida, do mundo, das beatas que o cercavam, enfim, sentia raiva de si mesmo por ser um filho de puta.
Joana tinha os olhos enxutos e aberto focados num lugar ermo. O menino em cima dela cada vez se empolgava mais. João rangia os dentes. A lua se escondera. Os peitos gordos de Joana balouçavam ao sabor da cama de varas. Balançavam tanto quanto aquele corpo juvenil em cima do dela.
Aqueles minutos duravam para João eternidades.
João agora chorava mais: em meio aos gemidos, grunidos humanos e o balouçar da cama de varas discernira o gemido de sua mãe. Adivinhava o qua acabava de acontecer: Joana gozara. No quarto ao lado, Joana envergonhara-se. Tanto quanto jamais em toda sua vida errante.
“Pelo menos já cabou”, pensou Ela. Enganara-se: seu cliente-mirim, ainda com o frescor e o fôlego juvenil queria mais. Já se preparava para outra. João, filho de Joana, já enxugava as lágrimas teimosas que insistiam em cair, quando escutou o gemido seco de sua mãe e o ranger da cama de varas de novo. O calvário retornara...

24.mar.2009

Liberdade



Tu gritas. É vão!
Ninguém virá em teu socorro.
Estás inevitavelmente preso a esta vida.
Pagas, pois, teus delitos.

Tens uma única sentença,
uma regra una a seguir:
viver esta vida!
Mesmo que isto
vá contra todos os teus
conceitos de liberdade,
mesmo que isso contrarie
todas as tuas ânsias
e tua vontade de ser livre.

É isso que terás de fazer
a partir de agora:
esperar.

Simples e complexamente
esperar.

Esta espera,
doravante eivada de angústia
será então tua sentença de vida
(ou de morte?).

O que se sabe é que,
inevitavelmente,
terás de esperar...
não se sabe o quê
nem por quem...


jul. 2007

Eu me lembro muito bem


Lembro de quando trocamos o que era bom
por aquilo que era melhor ainda
e essa troca continua se fazendo a cada dia...

Lembro de quando trocamos os adjetivos
por um substantivo adjetivante:
saímos de palavras outras para ‘meu amor’.

Lembro também de quando trocamos os verbos
E o que era adorar virou amar
Tudo transcendido na metáfora carnal.
Atos repetidos nas noites frias
esquentadas à nossos corpos...


18.04.2009

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Lagoa da Perdição


Esse mês, devido às "bodas de prata" do município de Cruz, em janeiro próximo, presto aqui uma homenagem à referida cidade.

Conta a tradição oral que, em terras piauienses, um anônimo retirante padecia de fome, sede e cansaço. Relegado aos desígnios do calor em terras deveras quentes, tal sujeito pediu abrigo em uma fazenda, que segundo consta a boca dos mais antigos, seria a do Coronel Teixeira Pinto, que teria ali se instalado fugindo de Portugal, aproximadamente no ano de 1687, devido a guerras vicinais em terras ibéricas.
Sendo compadecido com o sofrimento do retirante, logo ofereceu abrigo, comida e água para aquele corpo magérrimo. Mas, não satisfeito com a água, a comida e o abrigo que lhe fora ofertado, o incômodo hóspede começou a flertar com a filha do fazendeiro. Em não muito tempo, esta já estava entregue aos braços ardis e viris do retirante, apesar de as regras sociais da época ver em tal comportamento algo inaceitável. Assim, os dois amantes tiveram pouquíssimos - todavia únicos – momentos de amor lascinante e assaz.
Ao ser descoberto, o viajante a fim de salvar a própria vida abandonou um pedaço dela: fugiu dali, deixando sua amada em solitários lençóis. Poderíamos nos perguntar de que vale a vida sem o amor da mulher – ou do homem – amada (o). Mas não é o propósito de tal relato.
Tal como um Ulisses às avessas, o tal homem fugiu dali, desmistificando seu idílio e transformando-o numa bruta realidade a fim de sobreviver. A pobre moça desvirginada de nada se aproximou da Penélope do mito grego. Assumiu, pois, uma caracterísitca psicótica: refém imaginária do viajante, seguiu-o por terras e florestas ainda virgens, desvirginando-as junto com seu amado.
Ainda segundo as falas senis, o velho fazendeiro jurou morte aquele corpo que lhe traíra e danificara o corpo de sua filha. Aquele Dom Juan sertanejo iria pagar com seu próprio sangue o sangue que fizera brotar das entranhas genitais de sua filha. Pois, como se sabe, “honra se paga com sangue!”
O que se segue, é uma saga de um pai desesperado pela falta de hímen em sua filha e, ao que tudo indica, guiado pela ira e não por sua razão, desbravou serras, matas fechadas, carnaubais, coqueirais. Passou por entre bananeirais, cajueirais, viu pores-do-sol invejáveis, bebeu água dos rios – por vezes salobra – , viu o mar de perto, sentiu o calor no sangue e o calor do Sol do Nordeste. As paisagens as quais passou causam inveja ao mais insensível dos mortais.
Incontáveis foram as mutucas que lhe aperrearam em seu contra-idílio, inúmeras as muriçocas que lhe pertubaram o sono cada vez mais desconfortável. Carne, só comia quando um preá vacilante passava por perto de seu alazão, pois, cego pelo ódio de amor à filha, só tinha os olhos pregados ao horizonte e ouvidos atentos a qualquer vestígio de seu infame hóspede. Alimentava-se do desejo de vingança, tão quente quanto o sangue que fluía por entre suas veias.
Enfim, em nome da honra, passou fome, sede e privações outras em busca de recuperar o mal que fizeram à sua filha. Tudo em riba do lombo (cada vez mais duro) de um cavalo.
A saga só tem fim quando, nos limites do litoral-norte cearense, o tal desvirginador foi, enfim – em nome da moral e dos bons costumes – , assassinado às margens de uma lagoa. O fazendeiro, ainda instituído por uma moral cristã e, ao que parece, ensandecido com sua própria consciência ao mesmo tempo que receioso dos males celestes, fincou, às beiras da lagoa onde ele assassinara seu quase genro, uma tosca cruz confeccionada ali (ainda por mãos ensaguentadas de assassínio) por dois gravetos tortos e insinuosos que, ironia das ironias, lembravam, por seu formato cilíndrico, um pênis.
Logo um pênis, alvo de toda aquela fúria. Sede de toda a vingança! Mola propulsora de toda aquela viagem. Mas não havia tempo para pensar nisso, o importante era ir embora dali o quanto antes e dar àquele indecente corpo um enterro, por assim dizer, cristão.

* * * * *

Em tempo: Perto de tal cruz, às margens cúmplices da lagoa, deu-se origem, em algumas dezenas de anos, um povoado tão pequeno quanto escondido. Não à toa, o montante de água ficou conhecido por Lagoa do Escondido e, o povoado que dele brotou, veio a chamar-se, devido ao heróico ato do pai em busca do tesouro perdido de sua filha, Cruz.



31.Ago.2009

Esse cheiro


E esse cheiro empestado de nós?
E esse cheiro empregnado de nós?
(nós que nos une fortemente).
E essa saudade que não passa?

E esse cheiro impregnando meus dias,
mexendo com minhas vísceras,
fazendo-me suar
(ou seria chorar pela pele?)
arranhando meus sentimentos,
lembrando-te-me constantemente,
mostrando-me a felicidade...

O que eu faço com esse cheiro?

Meu nariz é meu principal órgão
tudo que faço depende dele
através dele procuro teus vestígios,
sinto teu cheiro por toda parte...
isso me consome,
me tira o sono,
mas me dá a certeza da felicidade!

19.mar.2008

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Somos americanos e queremos ser americanos




Nesses tempos de capitalismo aflorado, que tanto mexe com nossas vísceras, que a nós faz parecer de igual valia tanto o CO2 expelido por uma indústria quanto o O2 inalado por uma pessoa humana, 03 termos se fazem tão atualizados quanto necessários: globalização, regionalismo e localismo.
Não quero aqui discutir conceitualmente cada um desses termos ou mesmo dar-lhes novas roupagens. Quero, de fato, discutir o que nos faz (ou o que fazemos) para termos, solidamente, uma identidade americana.
(Sim, pois somos tão americanos quanto qualquer ser que nasça do lado de cá do Atlântico, tendo por limite oeste as águas salobras do Pacífico!).
Sobretudo, o que nós, latino americanos (podemos encarar até mesmo esse termo como um sutil preconceito, já que nos impede de sermos, pelos menos semanticamente, americanos) fazemos para nos identificar sob a égide destes dois termos justapostos?
Em uma palavra, o que quero discutir é como um povo que tão mal conhece sua história e seu próprio povo reivindica para si o direito de agrupar-se sob a homogeneidade do termo latino-americano. O que nós, cearenses, nordestinos, brasileiros, sulamericanos, enfim, conhecemos do nosso continente? Pouco ou quase nada. Tal conhecimento seria ainda mais minimizado se o compararmos com o que sabemos das culturas asiáticas e européias, quiçá as africanas.
Senão, vejamos.
Muitos de nós talvez gaguejaríamos se nos fosse perguntado, por exemplo, a capital da Bolívia ou do Peru. Porém, se a pergunta fosse a capital da Alemanha ou da China responderíamos, talvez, com voz de prepotência.
Muitos de nós sabemos de cór o nome dos últimos 03 presidentes dos EUA. Mas quem de nós sabe o nome do atual chefe de Estado do Uruguai ou do México?
Tendemos a tachar como absurdo o nazismo de Hitler, o fascismo de Mussolini, a imprudência ianque em Nagazaki e Hiroshima ou os atentados do Sr. Bush. Todavia, relegamos às entranhas do olvido que nós, americanos, parimos pínochets, médicis, perons e suas barbáries ditatoriais.
Quantos de nós planejamos fazer pós-graduação na Universidade de Caracas ou na Universidade do Chile? Em vez disso, sonhamos com Harvard, Paris XIII ou mesmo Universidade de Dubai.
Por falar em Dubai, nossos ídolos políticos, exemplos de vida, heróis de resistência são Gandhi, Jesus Cristo, Lênin, em vez de Guevara, Lula da Silva, Simon Bolívar, Virgulino...
E nossa história nativa, tão massacrada por nós mesmos hoje quanto pelos primeiros ibéricos séculos atrás...Quem de nós aqui não conhece o mito de Narciso ou de Édipo na Grécia Antiga? Mas quantos de nós, americanos, conhecemos, pelo menos superficialmente, os mitos incas, maias ou guaranis?
E nossa mídia, tão eurocêntrica quanto qualquer uma européia? Quem de nós lembra de ter visto na televisão brasileira imagens de Quito, Lima ou Assunção (salvo nas transmissões de futebol)? Mas quem não conhece, por essa mesma mídia, a Torre Eifel, Nova York ou mesmo Tóquio?
Essa é a mesma mídia que prefere propagar a vitória de Barack Obama no centro do mundo, ops...EUA do que o levante de esquerda que a América do Sul presencia com Lago no Paraguai, Oribe na Colômbia, Kitchener na Argentina, Lula no Brasil, Chavez na Venezuela, Moralez na Bolívia...
Bem pudera, a essa mídia que mais interessa uma corrida de pelados na Bélgica do que, talvez, o nascimento de trigêmeos na Nicarágua...que prefere noticiar as mazelas africanas do que o estado praticamente inabitável do Haiti...que prefere explicar o que é a AL QAEDA do que as FARC's...
Ainda sobre a mídia, quantos sites que veiculam notícias genuinamente americanas conhecemos? E se conhecemos algum, quantos de nós os acessam?
A literatura também não passa incólume nesta avalanche eurocêntrica camuflada de globalização. Assistimos abismados (e calados!) o ocultismo que relegamos aos versos de Augusto dos Anjos, Gabriela Mistral ou Pablo Neruda. Em contrapartida, sabemos de cór o "ser ou não ser" de Shakespeare ou os versos de Camões.
Gabriel Garcia Márquez ou Lima Barreto são praticamente palavrões aos nossos ouvidos europeizados ao passo que desdenhamos daqueles que não conhecem os contos de Agatha Christie ou E. Alan Poe.
E a Filosofia? Quantos bons filósofos americanos devem ter se perdido pelos labirintos tortuosos e indecifráveis da América Latina? À guisa de exemplificação, cito o cearense Farias Brito que, mesmo em ambientes acadêmicos, não passa de um ilustre anônimo.
Parece haver uma afirmação que tem o poder de um imperativo categórico: todos os bons filósofos são europeus! Nietzsche. Kant. Foucault. Descartes. Maquiavel. Seria nosso continente americano tão estéril a ponto de não parir nenhum filósofo de renome? Ou isso seria mais um legado eurocêntrico?
Mesmo nos campos teóricos da Psicologia prefere-se estudar o bielorrusso Vigotski, o suíço Piaget ou o austríaco Freud do que o venezuelano A. Merani, a argentina E. Ferrero ou o brasileiríssimo Paulo Freire (isso sem citar os que foram desgraçados pelo silêncio do ostracismo). E ainda se fala em uma Psicologia latino-americana...
Será que Freud, Skinner ou Rogers (nomes dos mais aceitos na Psicologia no Brasil) descobriram os "universais antropológicos" ou os estudamos graças às nossas subjetividades marcadamente oprimidas e destituídas de autonomia?
Depois de tudo isso, indago: o que nos faz querer abrigarmo-nos sob a tênue camada do latino-americanismo? Seria apenas nosso passado envolto em opressões e barbáries ibéricas? Ou podemos, desse "pretérito obscuro" – apesar de lânguido e fértil – tirarmos bases sólidas de uma identidade transnacional?
Talvez a pergunta que deva ficar, no lugar de o quê nos faz americanos, é se, necessariamente, queremos ser americanos.

Fev. 2009

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O Lugar de onde venho


(Aos Tremembés de Almofala)

Venho de um lugar
onde a música e a poesia
se (me) fazem gente;
onde o mar, o sol e o torém
são seus caciques;
onde a palavra de ordem é autonomia
e o amor seu maior sentimento,
sempre rodeado por auréolas de felicidade e paz...

No lugar de onde venho
se envelhece por natureza
e não por ação da tecnocracia;
onde a loucura e o diferente
se mostram e se cristalizam
exatamente por irem à revelia
das massas capitalizadas.

Venho de um lugar
onde o povo é unido e organizado
não por natureza,
mas por vontade própria!
onde a natureza se fez bonita
pra fazer jus ao povo que a habita...

Falo de um povo que não quer ser mais
falo de um povo
que quer apenas viver à sua maneira,
à revelia dos que o cercam.

Falo de um lugar
onde o torém,
o mar
e a terra firme embaixo dos pés
tanto encantam quanto enobrecem.

Este povo que fala dos "encantado"
não sabem que, de verdade,
encantadores são eles próprios
e nós privilegiados em poder conhecê-los...
Mar. Torém. Sol. Terra firme.

Em mim
o sentimento de saudades
se faz tão necessário
quanto meu sangue fluir
por entre minhas veias...

Mar.
Torém.
Sol.
Terra firme:
Tremembés.