Até uma gota d'água consegue se diferenciar das outras em meio a uma imensidão sem fim de gotas iguais...Mas por que nós, seres humanos, instituídos por uma razão e uma pretensa capacidade de pensar, insistimos tanto em sermos iguais uns aos outros?

Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...

Viva a diferença, não ao estereótipo!



"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."

Fernando Pessoa

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

No Velório

Ele em sua época áurea tinha sido um influente político da ainda jovem República Brasileira, chegando a ocupar até um cargo no Ministério. Depois experimentou uma saliente decadência. E como todo começo tem seu fim, foi acometido de um infarto no miocárdio que lhe custou a vida.
O velório foi bastante disputado entre a vizinhança do outrora glamoroso bairro. Mulheres lamuriavam e choravam terem perdido o pai de seus filhos (sim, eram muitos filhos espalhados no bairro, apesar de a maioria nem saber que seu pai biológico era ele).
Mas aquele mesmo gosto por sexo que o incipiente cadáver tivera em vida, uma de suas filhas herdara. Ela tinha apenas 21 anos, mas já era casada e mãe de dois filhos. Seu marido estava por chegar e, enquanto isso não acontecia, ela, em vez de carpir-se da morte de seu genitor, paquerava o agente funerário em pleno velório do pai!
O rapaz encontrava-se bastante constrangido pela situação. Mas ela estava decidida a fitá-lo e fazia isso sem a menor cerimônia. O morto parecia remexer-se dentro do caixão (ele também compelido com a circunstância dada). Porém lá estava ela, impassível ao próprio choro de sua mãe, sentada ali, ao seu lado, gemendo baixinho. Continuava a fitar o indeciso agente funerário.
Como ele continuava em seu mar de incertezas e constrangimentos, sem dar uma certeza exata de suas intenções, ela resolveu agir por si só, e mostrá-lo todo seu poder persuasivo. Dona de carnes salientes e peitos fartos e resistentes, de uma boca que era a própria lascívia transformada em lábios, sabia que poucos homens lhe resistiriam. Em épocas de colegial, chegara a ganhar um concurso de miss organizado no bairro.
Em poucos instantes, no andar de cima, um encabulado agente funerário encontrava-se só de cuecas em cima da cama de casal que tanto dera descanso, conforto e prazer ao emérito defunto. Ela, com um sorriso entre sádico e ninfomaníaco nos dentes começava a desabotoar seu espartilho vermelho. Ele, vermelho (mais por reflexo do espartilho do que por vergonha), estava completamente alheio a si. Pensava mais no velório que acontecia lá embaixo do que na excitante situação em que se encontrava.
Gemidos, gritos e sussurros se confundem no catre. Esperma, suor e lágrimas mostram um resultado de um prazer negro. Para ele, a situação era mais fúnebre que prazerosa. Já ela se sentia no próprio Kama Sutra.
Gemidos de uma das viúvas (por acaso mãe dela) lá embaixo. Aquele cheiro de chá de capim-santo. Homens conversando baixinho assuntos alheios ao velório. Outros, que um dia já foram encornados pelo próprio defunto, faziam-lhe extremos elogios e eminências.
Chegam telegramas de várias partes do estado, lamentando o deprimente acontecimento. Os filhos (muitos!) brigam para ver quem os lia primeiro. Chegam também flores, enviadas por uma antiga e romântica amante do finado. Um velho reclama que o chá está sem açúcar.
No andar de cima, os dois amantes suavam entre os lençóis rasgados e fétidos do finado. Suor e agora lágrimas (dele e não dela) se misturavam sobre os molambos esburacados. Lá embaixo, gritos selvagens de uma senhora que acabara de chegar e que ninguém conhecia. Muitos murmuravam que o morto era muito querido.
Sua filha continuava impassível à situação e já estava novamente em cima do infeliz agente funerário que só queria ir embora. Quem chega ao velório agora é o abatido marido dela. O pobre agente funerário parece sentir isso, pois agora dá um gemido mais de medo que propriamente de prazer.


10.jun.2007

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