Até uma gota d'água consegue se diferenciar das outras em meio a uma imensidão sem fim de gotas iguais...Mas por que nós, seres humanos, instituídos por uma razão e uma pretensa capacidade de pensar, insistimos tanto em sermos iguais uns aos outros?

Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...

Viva a diferença, não ao estereótipo!



"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."

Fernando Pessoa

domingo, 2 de agosto de 2009

O Último Beijo

Eu já a namorava há mais de um ano. Amava-a com uma certeza matemática. Adorava ficar sem fazer nada perto dela, apenas olhando para aquele rostinho angelical. Só o fato de estar ao seu lado, me deixava simplesmente feliz, com a simplicidade das pequenas coisas, apenas com isso, me sentia verdadeiramente feliz. Com uma felicidade boba que eu jamais pensava que uma pessoa pudesse proporcionar a outrem.
Também não duvidava – jamais!!! – dos seus sentimentos em relação a mim. Sabia que ela me amava tanto ou mais que eu. Nossos sentimentos eram recíprocos e, sobretudo, sinceros. Em mais de um ano eu percebi realmente o sentido da palavra e, principalmente, do sentimento amor.
Mas algo não ia bem, nos amávamos, mas a distância nos separava. Ela morava numa capital de um estado e eu em outra capital. A distância às vezes fazia nosso amor ficar maior, fazia com que quando nos víamos, sentíssemos mais o amor proveniente do outro. Mas, como eu ia dizendo, algo não ia bem...
Essa mesma distância que tanto nos fazia unir quando estávamos juntos, era a mesma vilã de quando nos separávamos. Vinha à minha cabeça as coisas mais loucas, o que ela estaria fazendo, com quem ela estaria... Principalmente com quem ela estaria! Sentiria-me um mentiroso se dissesse que confiava nela. Confiava desconfiando. Às vezes eu próprio me repudiava por não confiar em alguém que não me dava motivos para duvidar de sua fidelidade.
Mas aquilo martelava minha cabeça, impedindo-me o sono. Quanto mais eu pensava, mais tinha certeza de que ela me trairia um dia ou então que aquilo já tivera acontecido. Apesar de ela nunca me dar motivos para desconfiar de sua lealdade....Eu tinha aquilo como uma certeza absoluta, assim como todos os cristãos têm a morte.
Aquele amor incondicional e, sobretudo aquela incerteza homérica me faziam criar uma macabra idéia na minha cabeça: matar a mulher que eu amava! Matar a quem eu seria capaz de dar minha própria vida. Aqueles devaneios me davam calafrios! Mas só assim me privaria de passar a vida dependente de alguém, pois amar é depender de alguém, e me livraria daquela já angustiosa e sombria dúvida que pairava sobre minha cabeça. Matá-la e viver companheiro da solidão o resto da vida...
Na ocasião do feriado de Finados eu iria encontrá-la em sua cidade. Fazia quase um mês que não nos víamos e eu estava deixando de ser um homem para ser apenas um pedaço de carne com saudades.
Num gesto de extrema insanidade pus um punhal – herança de meu falecido pai – dentro de milha bolsa. Hoje quando lembro disso sinto um arrependimento tão intenso que chego a sentir dores. Pra quê aquele punhal? Aparentemente ele não teria nenhuma serventia naquela cidade. Aliás, ele não tinha serventia alguma em minha vida. Guardava-o porque meu pai o havia me dado em vida.
O feriado foi maravilhoso! Fizemos tanta coisa juntos! Fomos tão felizes um ao lado do outro! Sentíamos, a cada vez que nos víamos, que nos amávamos mais e mais. Mas naquela noite, mesmo ao lado dela, a insônia veio invés do sono e aqueles pensamentos que só me vinham quando estava sozinho se apoderaram de minha mente.
Numa demência mental, levantei-me, peguei o punhal dentro da bolsa e guardei-o debaixo de meu travesseiro. Quando acordamos na manhã seguinte – na verdade apenas ela acordou, já que eu não havia pregado o olho – um assomo de irracionalidade tomou conta de meu ser. Não sabia o que era aquilo, nunca tinha passado por algo semelhante. Eu próprio não me reconhecia. Eu não conseguia me controlar, eu não pensava. O ciúme era minha fala.
Bruscamente peguei seu braço e com uma brutalidade própria dos sádicos – imagine, aquela foi a primeira vez que não a tratei com delicadeza – sacudi-a e perguntei se ela me amava. Ela me respondeu com uma sinceridade que doeu em minha alma. Mas eu já estava decidido: iria matá-la!
Com medo no olhar ela me jurou amor eterno. Brutalmente falei:
– Se você me ama vira de costas!
Ela, como que impelida por uma força maior que seu próprio corpo, virou instantaneamente.
E eu, covardemente, enfiei-lhe o punhal por entre suas costelas e depois por baixo de seu peito esquerdo. Tudo estava consumado! Eu acabara de matar a mulher que amava!
Amava porque hoje não consigo amar ninguém. Meu coração é puro ódio. Tornei-me uma pessoa amarga.
Hoje a solidão e o arrependimento são meus filhos que não tive com minha amada. Atrás das grades, quando penso naquele maldito 02 de novembro, sinto-me um ser desprovido de sentimentos e não tenho hombridade suficiente para enfiar aquele mesmo punhal em minhas desgraçadas carnes...


07.jan.2007

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