Até uma gota d'água consegue se diferenciar das outras em meio a uma imensidão sem fim de gotas iguais...Mas por que nós, seres humanos, instituídos por uma razão e uma pretensa capacidade de pensar, insistimos tanto em sermos iguais uns aos outros?
Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...
Viva a diferença, não ao estereótipo!
"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."
Fernando Pessoa
Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...
Viva a diferença, não ao estereótipo!
"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."
Fernando Pessoa
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Somos americanos e queremos ser americanos
Nesses tempos de capitalismo aflorado, que tanto mexe com nossas vísceras, que a nós faz parecer de igual valia tanto o CO2 expelido por uma indústria quanto o O2 inalado por uma pessoa humana, 03 termos se fazem tão atualizados quanto necessários: globalização, regionalismo e localismo.
Não quero aqui discutir conceitualmente cada um desses termos ou mesmo dar-lhes novas roupagens. Quero, de fato, discutir o que nos faz (ou o que fazemos) para termos, solidamente, uma identidade americana.
(Sim, pois somos tão americanos quanto qualquer ser que nasça do lado de cá do Atlântico, tendo por limite oeste as águas salobras do Pacífico!).
Sobretudo, o que nós, latino americanos (podemos encarar até mesmo esse termo como um sutil preconceito, já que nos impede de sermos, pelos menos semanticamente, americanos) fazemos para nos identificar sob a égide destes dois termos justapostos?
Em uma palavra, o que quero discutir é como um povo que tão mal conhece sua história e seu próprio povo reivindica para si o direito de agrupar-se sob a homogeneidade do termo latino-americano. O que nós, cearenses, nordestinos, brasileiros, sulamericanos, enfim, conhecemos do nosso continente? Pouco ou quase nada. Tal conhecimento seria ainda mais minimizado se o compararmos com o que sabemos das culturas asiáticas e européias, quiçá as africanas.
Senão, vejamos.
Muitos de nós talvez gaguejaríamos se nos fosse perguntado, por exemplo, a capital da Bolívia ou do Peru. Porém, se a pergunta fosse a capital da Alemanha ou da China responderíamos, talvez, com voz de prepotência.
Muitos de nós sabemos de cór o nome dos últimos 03 presidentes dos EUA. Mas quem de nós sabe o nome do atual chefe de Estado do Uruguai ou do México?
Tendemos a tachar como absurdo o nazismo de Hitler, o fascismo de Mussolini, a imprudência ianque em Nagazaki e Hiroshima ou os atentados do Sr. Bush. Todavia, relegamos às entranhas do olvido que nós, americanos, parimos pínochets, médicis, perons e suas barbáries ditatoriais.
Quantos de nós planejamos fazer pós-graduação na Universidade de Caracas ou na Universidade do Chile? Em vez disso, sonhamos com Harvard, Paris XIII ou mesmo Universidade de Dubai.
Por falar em Dubai, nossos ídolos políticos, exemplos de vida, heróis de resistência são Gandhi, Jesus Cristo, Lênin, em vez de Guevara, Lula da Silva, Simon Bolívar, Virgulino...
E nossa história nativa, tão massacrada por nós mesmos hoje quanto pelos primeiros ibéricos séculos atrás...Quem de nós aqui não conhece o mito de Narciso ou de Édipo na Grécia Antiga? Mas quantos de nós, americanos, conhecemos, pelo menos superficialmente, os mitos incas, maias ou guaranis?
E nossa mídia, tão eurocêntrica quanto qualquer uma européia? Quem de nós lembra de ter visto na televisão brasileira imagens de Quito, Lima ou Assunção (salvo nas transmissões de futebol)? Mas quem não conhece, por essa mesma mídia, a Torre Eifel, Nova York ou mesmo Tóquio?
Essa é a mesma mídia que prefere propagar a vitória de Barack Obama no centro do mundo, ops...EUA do que o levante de esquerda que a América do Sul presencia com Lago no Paraguai, Oribe na Colômbia, Kitchener na Argentina, Lula no Brasil, Chavez na Venezuela, Moralez na Bolívia...
Bem pudera, a essa mídia que mais interessa uma corrida de pelados na Bélgica do que, talvez, o nascimento de trigêmeos na Nicarágua...que prefere noticiar as mazelas africanas do que o estado praticamente inabitável do Haiti...que prefere explicar o que é a AL QAEDA do que as FARC's...
Ainda sobre a mídia, quantos sites que veiculam notícias genuinamente americanas conhecemos? E se conhecemos algum, quantos de nós os acessam?
A literatura também não passa incólume nesta avalanche eurocêntrica camuflada de globalização. Assistimos abismados (e calados!) o ocultismo que relegamos aos versos de Augusto dos Anjos, Gabriela Mistral ou Pablo Neruda. Em contrapartida, sabemos de cór o "ser ou não ser" de Shakespeare ou os versos de Camões.
Gabriel Garcia Márquez ou Lima Barreto são praticamente palavrões aos nossos ouvidos europeizados ao passo que desdenhamos daqueles que não conhecem os contos de Agatha Christie ou E. Alan Poe.
E a Filosofia? Quantos bons filósofos americanos devem ter se perdido pelos labirintos tortuosos e indecifráveis da América Latina? À guisa de exemplificação, cito o cearense Farias Brito que, mesmo em ambientes acadêmicos, não passa de um ilustre anônimo.
Parece haver uma afirmação que tem o poder de um imperativo categórico: todos os bons filósofos são europeus! Nietzsche. Kant. Foucault. Descartes. Maquiavel. Seria nosso continente americano tão estéril a ponto de não parir nenhum filósofo de renome? Ou isso seria mais um legado eurocêntrico?
Mesmo nos campos teóricos da Psicologia prefere-se estudar o bielorrusso Vigotski, o suíço Piaget ou o austríaco Freud do que o venezuelano A. Merani, a argentina E. Ferrero ou o brasileiríssimo Paulo Freire (isso sem citar os que foram desgraçados pelo silêncio do ostracismo). E ainda se fala em uma Psicologia latino-americana...
Será que Freud, Skinner ou Rogers (nomes dos mais aceitos na Psicologia no Brasil) descobriram os "universais antropológicos" ou os estudamos graças às nossas subjetividades marcadamente oprimidas e destituídas de autonomia?
Depois de tudo isso, indago: o que nos faz querer abrigarmo-nos sob a tênue camada do latino-americanismo? Seria apenas nosso passado envolto em opressões e barbáries ibéricas? Ou podemos, desse "pretérito obscuro" – apesar de lânguido e fértil – tirarmos bases sólidas de uma identidade transnacional?
Talvez a pergunta que deva ficar, no lugar de o quê nos faz americanos, é se, necessariamente, queremos ser americanos.
Fev. 2009
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