Até uma gota d'água consegue se diferenciar das outras em meio a uma imensidão sem fim de gotas iguais...Mas por que nós, seres humanos, instituídos por uma razão e uma pretensa capacidade de pensar, insistimos tanto em sermos iguais uns aos outros?

Vivo a diferença a cada suspiro meu, a cada gota de suor, a cada raio de sol, a cada novo luar, a cada sinapse neurótica de meu cérebro, a cada instante, a cada momento, a cada sempre...

Viva a diferença, não ao estereótipo!



"Ser poeta não é ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho."

Fernando Pessoa

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

No chão

O garotinho tinha já seus 13 anos. Estava ele sentindo as primeiras manifestações de uma libido juvenil. Seus banhos demorados já lhe encardiam a cara, dizia-lhe o pai. Estava naquela fase de ficar acordado até tarde, mesmo estudando de manhã, assistindo televisão no intuito de ver mulher pelada.
Calcinha no varal de casa já lhe excitava. Ao menor descuido de uma mulher de saia, estava lá ele com olhos arregalados e atentos. Sua maior alegria era ir à praia. Ali arrecadava material visual para seus banhos demorados. Estas mesmas mulheres de biquíni (em seu querer peladas) povoavam seus sonhos e pensamentos.
Foi por essa época, que seu irmão mais velho casou e colocou sua esposa dentro de casa. Foi então que o garotinho teve de ser transferido de quarto para que seu irmão desposasse em paz. Colocaram-no dentro de um minúsculo catre, ao lado de seu antigo quarto, que outrora funcionara como armazenamento de despojos.
Qual não foi sua alegria ao perceber que à noite ouvia-se estranhos ruídos e gemidos enquanto todos dormiam. Eram os recém-casados. Agora, não ligava mais de ter sido privado da televisão durante a madrugada. Ouvir aquilo dava-lhe muito mais tesão!
Com uma semana já estava todo munido de aparatos para captar melhor os sons advindos do quarto vizinho: um copo de vidro e uma caixa de cotonetes. Também deixou de lado seu diskman. O som agora chegava-lhe muito bem aos ouvidos.
De certa feita em diante, seu irmão pedia sempre à sua esposa para transar no chão. A cunhada do garotinho sempre se negava mas acabava cedendo aos apelos do marido.
A partir daquela noite, o garotinho esperava seu irmão sair pra trabalhar e, antes de ir à aula, entrava em seu antigo quarto e, mesmo com sua cunhada dormindo na cama, começava a cheirar o chão como um louco à procura de vestígios da noite anterior. A mera possibilidade de cheirar sexo dava-lhe um tesão desgraçado.
A mãe começou a estranhar o garotinho, agora, querer tomar banho todo dia antes de ir à aula. Julgava, então, que ele estava apaixonado por alguma coleguinha de sala e queria exibir-se melhor para ela.
Mal sabia a ingênua mãe que sua única nora desposara seus dois filhos: um no plano físico, o outro no plano imaginário.
Mas o garotinho julgava ter muito mais prazer que o irmão que ia, de verdade, às vias de fato.

21.out.2007

Tristeza

Perdi minha felicidade
em um lugar que nem sei
se ainda existe.

O amor arraigou-se de mim
e foi fazer-se sentimento
em um outro coração.

Tristeza é o que me supera.
Tristeza é o que me espera.
Tristeza é o que sinto...

21.jul.2010

Tempo: flores que se vão

Quando o tempo vira pó
e os anos não cabem mais
nas contas simples dos dedos de uma mão
a experiência é a única desculpa que me resta.

Enquanto o ponteiro dos segundos
ultrapassa o dos minutos
meu sangue se transfigura,
meu coração dispara,
meus nervos (me) embrutecem,
minhas sinapses crepusculam
e meu corpo envelhece...

Minhas carnes frias tornam-se úmidas
e, alvo de vilipêndios,
confessam toda sua fraqueza e cansaço.

Simultaneamente, a um só tempo,
desfiguro-me
em calendários, ponteiros e relógios
e reconfiguro-me
em gostos, lembranças e reminiscências...

08.Ago. 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

És tudo que mais quero


Nunca precisei tanto de ti.
Nunca foste tão minha.
Nunca precisaste tanto de mim.
Nunca fui tão teu.

Quando nossas dores se intercalam
nosso amor se multiplica em escala industrial.
Revertemos a dor que é o não-amor
e o transformamos em amor de uma vida.

Nunca nos desejamos de forma tão brutal
Nunca fomos tão parecidos um com o outro:
em dores e sentimentos
nossos corações se igualaram.

Somos nada mais que dois corpos
em incessante e mútua procura do corpo alheio.
Somos nada mais que seres
vivendo em corpos que não nos pertencem:
Cada um de nosso corpo é o corpo do outro.

A dor que outrora nos latejou
é o cimento que reajuntou nossos corpos
sedentos
de vida, de amor, de sinceridade
do outro...

Nunca precisei tanto de ti.
Nunca foste tão minha.
Nunca precisaste tanto de mim.
Nunca fui tão teu.

16.jan.2010

A Lua



Pérfida ilusão dos desalmados,
companheira de devassidões inúteis.
Tens o chão por um dragão cavalgado,
és o lugar de ilusões fúteis.

Oh, satélite único deste planeta
és o mais lindo dos astros:
estrelas, galáxias, cometas
quero beleza quando sigo teus rastros.

De tua imensidão brancodourado
reluz o alento dos amantes:
da lascívia volátil dos apressados
ao amor paciente dos iniciantes.

Companheira das noites solitárias
fazes falta quando não apareces.
Para as epígrafes dos poetas és solidária,
destino último de todas as preces.

Repouso de todos os viajantes,
calvário dos que não a enxergam.
Poço negro, alvo, dourado, rutilante
lágrimas dos olhos que as faces cegam.

21.jan.2010

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

No Quarto ao Lado


Essa é a história de Joana e João. Mãe e filho. Os dois têm um desgosto em comum: a profissão d'Ela. João é o retrato de muitas crianças do mundo todo. Muitos Joões estão por toda parte e preferimos não ver, ou fingir que não os vemos.

Ela joana, Ele João. Ela, quando moça até chegara a ser respeitada em seu periférico bairro. Casara-se cedo e tão cedo dera-se seu desmatrimônio. Ele, era seu filho.
O casamento dela dera-se com um infame bielorrusso que traficava eletrodomésticos no Leste europeu capitalístico. Tal sujeito abandonou a esposa depois de 2 meses, 2 manchas roxas no zigoma direito d’Ela e um filho ainda por vir: João.
Vendo-se sozinha, como companheiro apenas um feto e não mais arrumando emprego de dona-de-casa-dos-outros por causa do bucho, Joana teve de lançar mão de seu corpo para (sobre)viver. Seu primeiro cliente fora um ex-patrão seu. É nítida a inversão de papéis: dantes serva daquele, hoje sua senhora.
Por seu corpo moreno, rígido e formoso e também por suas saliências na cama, conseguiu Ela angariar uma clientela senão vasta, ao menos, na medida do possível, fiel.
Era senhora de patrões, era dona de meninos, era dama de cavalheiros, puta de homens casados, mãe de homens chifrados, era a companhia de noites sem lua, era o prazer de depois do almoço...
Joana, às vezes Ana, às vezes Patrícia. Nunca de um homem só.
Nascera, casara-se e parira uma criança raquítica. Tivera mais trabalho no parto do que para criar o menino. Como era seu dizer: “filho de pobre se cria sozim”. A criança crescera (se é que se pode chamar aquele minúsculo corpo de crescido) em meio ao bairro imundo e fétido e em meio à profissão da mãe (tida pelas beatas do bairro como mais imunda e fétida que o próprio bairro).
O eterno feto crescera em uma casa de um só cômodo que tinha algumas divisões construídas por um barro que, ao que parece, a natureza, vítima de um instinto moralista e cristão, o fizera de qualidade inferior pois que sabia onde ele seria usado (para dar leito à mais antiga das profissões).
As tênues paredes do “barro” criavam dois quartos e uma sala no mesmo espaço que seria, usualmente, uma sala em qualquer casa pobre do bairro.
Tanto pela proximidade geográfica quanto pela espessura da parede o garoto, muitas vezes, ouvia, sentia e gemia a profissão da mãe.
Ele, no bairro conhecido pela literal alcunha de “filho da puta”, odiava a profissão da mãe. Mas odiava ainda mais todos os (muitos) machos que já comeram (e ainda comiam) sua amada mãe, inclusive seu desgraçado genitor, o tal bielorrusso.
João sempre ouvia, sempre se importava, sempre chorava, sempre ruminava e sempre lembrava dos gemidos, dos grunidos e do ranger da cama de varas do “quarto” ao lado.
Mas o pior dia da vida deste magérrimo garoto de 14 anos foi quando um colega de sala veio ter com sua mãe. Sim, além de todos os estigmas de que fora vítima, além de todas as suas privações de ordem biológica e social, ante suas corriqueiras alvitações, suas não merecidas ofensas, ainda teria que entrar em contato com situação tão contrangedora.
Assim que avistou o colega ao longe – já sabia seu intento – João correu pra dentro de sua casa e resguardou-se em seu minúsculo catre. Por um momento, por um grande vão no telhado, João viu uma lua amarelenta e chegou a esquecer a ríspida situação em que se encontrava.
Do seu quase torpor advindo da lua, João foi retirado pelo som da voz cansada, mas suave de sua amada mãe:
- Boas noites, senhozim!
- Pegue, é tudo que tenho, retrucou o outro com mal disfarçada pressa.
- Mas só por R$10,00 num faço não! Posso até fazer por R$15,00 porque vejo que ainda é um menino e ainda nem quebrou o cabaço.
Nesse instante, o colega de João ficou cor-de-sangue e virou as costas como se fosse embora. Porém pôs a mão dentro da cueca e sacou uma meia recheada de moedas e entregou à Joana, mãe de João. Ela abriu um sorriso sem dentes.
- O senhorzim carma aí que só vou tomar uma bainzim.
- Não! Bora logo, tenho pressa! Além do mais num gosto de cheiro de sabão.
A primeira lágrima rolou pela face magra de João, filho de Joana.
Joana, mãe de João, sabia do mal gosto do filho pela sua profissão. Porém, sem ela sabia que não (sobre)viveriam.
Seu corpo literalmente sentira o peso do tempo. Ganhara uma flacidez e alguns quilos, porém aprendera algumas formas de controlar seus gemidos e seus gozos. Fazia isso porque sabia que João a tudo ouvia em seu labor. E esse tudo que ouvia era um nada comparado ao que Ele sentia.
Do outro lado, no minúsculo catre, frágeis mãos cobriam um rosto banhado em lágrimas. João, filho de Joana, rogava para que aquele suplício acabasse.
Alguns poucos centímentros de barro após, Joana, mãe de João, também torcia para que aquele momento terminasse logo.
João ouviu o primeiro gemido seco de Joana e os primeiros rangeres da cama de varas. Era o sinal: começara! Era como se aquilo fosse com ele, como se aquilo também tivesse penetrando em suas magras carnes e em sua alma machista. Sentia um misto de pena e e raiva de sua mãe. Sentia raiva daquele meinino que gemia em cima de sua mãe, sentia raiva da vida, do mundo, das beatas que o cercavam, enfim, sentia raiva de si mesmo por ser um filho de puta.
Joana tinha os olhos enxutos e aberto focados num lugar ermo. O menino em cima dela cada vez se empolgava mais. João rangia os dentes. A lua se escondera. Os peitos gordos de Joana balouçavam ao sabor da cama de varas. Balançavam tanto quanto aquele corpo juvenil em cima do dela.
Aqueles minutos duravam para João eternidades.
João agora chorava mais: em meio aos gemidos, grunidos humanos e o balouçar da cama de varas discernira o gemido de sua mãe. Adivinhava o qua acabava de acontecer: Joana gozara. No quarto ao lado, Joana envergonhara-se. Tanto quanto jamais em toda sua vida errante.
“Pelo menos já cabou”, pensou Ela. Enganara-se: seu cliente-mirim, ainda com o frescor e o fôlego juvenil queria mais. Já se preparava para outra. João, filho de Joana, já enxugava as lágrimas teimosas que insistiam em cair, quando escutou o gemido seco de sua mãe e o ranger da cama de varas de novo. O calvário retornara...

24.mar.2009

Liberdade



Tu gritas. É vão!
Ninguém virá em teu socorro.
Estás inevitavelmente preso a esta vida.
Pagas, pois, teus delitos.

Tens uma única sentença,
uma regra una a seguir:
viver esta vida!
Mesmo que isto
vá contra todos os teus
conceitos de liberdade,
mesmo que isso contrarie
todas as tuas ânsias
e tua vontade de ser livre.

É isso que terás de fazer
a partir de agora:
esperar.

Simples e complexamente
esperar.

Esta espera,
doravante eivada de angústia
será então tua sentença de vida
(ou de morte?).

O que se sabe é que,
inevitavelmente,
terás de esperar...
não se sabe o quê
nem por quem...


jul. 2007

Eu me lembro muito bem


Lembro de quando trocamos o que era bom
por aquilo que era melhor ainda
e essa troca continua se fazendo a cada dia...

Lembro de quando trocamos os adjetivos
por um substantivo adjetivante:
saímos de palavras outras para ‘meu amor’.

Lembro também de quando trocamos os verbos
E o que era adorar virou amar
Tudo transcendido na metáfora carnal.
Atos repetidos nas noites frias
esquentadas à nossos corpos...


18.04.2009